terça-feira, 10 de abril de 2012

Nova Russas e eu


        Não resisto à ideia de registrar lembranças da minha terra. São como instantâneos da memória: nesse momento quase posso ainda ouvir as incríveis histórias do Seu Didico. Contava ele que uma mulher gigante, muito linda (o relato completo seria longo), andava pela cidade após a meia noite, ou seja, depois que a luz acabava. Ela, a mulher de 15 a 18 metros, sentava-se na torre da Igreja e seus pés vinham cá na calçada. Dá pra nos imaginar, crianças de olhos fixos, “vendo”, as aventuras dessa mulher, nas madrugadas da cidade? era demais. O Seu Didico trabalhava justamente na usina de luz. Era atrás dessa usina, quietinha, que eu lia os livros que “pegava” dos parentes. Descia os mais de 30 degraus do quintal da minha tia, e alí, onde não seria procurada, eu me deslumbrava com os volumes proibidos. É que, todos os anos, recebíamos em casa a coleção de livros recomendados para cada idade. Se tal coisa era cuidado ou controle, meus irmãos e eu não sabíamos, mas era meio monótono, talvez porque tirassem de nós a chance de descobrir, de aventurar-se sem um guia.
       Um dos meus tesouros era cisterna da Igreja. Havia um encanto naquele poço. A biblioteca nem se fala, uma beleza; o mundo estava lá, naquelas estantes. Cinemas? Íamos diariamente ao cinema porque havia os seriados com suspense imperdível. Nenhuma novelita de tv se compara ao clímax daqueles momentos, e que se estampava na cara da plateia ao final de cada sessão.
       Um maravilhamento total foi o primeiro avião. Era pequeno e aterrissou num campo poeirento. Veio apanhar a minha mãe que ia fazer uma cirurgia na capital. Tireóide - veja só. Outro lugar perfeito pra uma exploração era no trabalho do meu pai – a Coletoria, ao lado do rio. Tinha máquinas de escrever, tinteiros, grampeadores e permissão pra desenhar. Em casa tínhamos um jipe sem capota, bem legal. Mas os mais disputados passeios eram na garupa da bicicleta do meu pai, ou a cavalo, mas aí é outra história.
        Os painéis da Igreja exibiam as melhores e únicas pinturas. Perdidas mais tarde, uma pena. Uma lembrança puxa a outra e deixo muito sem dizer. Como uma boa rebelde, fui hóspede do colégio interno – isso daria um romance. E o Ginásio? Permitam-me citar um time inesquecível: Francês – monssieur Irineu; Inglês - Tio Doutor; Matemática – Dr. Alípio; Música - Mestre Zula; Artes manuais e desenho? desculpem, não me lembro agora. E pasmem: um ano de Latim – Pe. Leitão (nos apresentou a mitologia grega – uma coisa fantástica). E claro, e especialmente pra mim, Português – D. Zilmar (ela percebia quando eu redigia para os colegas). Educação Física era o próprio prazer - geração de sorte em educação e cultura. Mesmo os indisciplinados...  herdaram muito saber.
        Nasci em Nova Russas. Onde? alguém pergunta. Eu então penso em contar a minha história, mas não seria interessante. É que eu não conseguiria transmitir bem. Quando o sentimento é grande as palavras nunca são suficientes. Eu sinto ainda o cheiro da minha terra, penso nas pessoas, nos sons, em tudo. O céu, esse eu espero, no mínimo, que ainda seja o mesmo que eu conhecia de cor – de coração.
       Nova Russas - agora crescida,.... que ela guarde em si a cidade como a que guardamos em nosso amor.
                                                                                                                 Deuseni M. Rosa

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